domingo, 6 de janeiro de 2008

Chuva e Billie Holiday (ao som de "One for my Baby", by Billie Holiday)

Música acessível em:

http://www.youtube.com/watch?v=R7llu2aQRSQ&feature=related

Chove.
Billie Holiday é maravilhosa para estas horas em que você está perdido entre o fim de algo e o início de um outro. Mas, se a vida é feita de inúmeros interstícios, seria a vida maravilhosa para se ouvir Billie Holiday? Estaríamos sempre a criar e terminar, e rascunhar, e deixar por inacabado para depois voltar? Seríamos seres inclinados, dedicados, condenados a começar projetos após terminar outros, sempre na busca de uma obra-prima que nos daria satisfação plena? Algo de "um orgulho do criador", que olharia sua obra, diria que está bom, descansando após isto? Mas sempre haveria algo por criar... cursos, carros, casas, cargos, filhos...

E se, caso contrário, estas demarcações, estes períodos que marcamos em nossas vidas, fossem apenas divisões fantasiosas que marcamos na tentativa vã de fazermo-nos centro de nosso(s) mundo(s), e nos sentirmos senhores de nossas ações, vontades e desejos? Neste caso, não haveria nenhum momento para escutar Billie Holiday: seria a vida um grande e contínuo fluxo, que nos guiaria desde o momento de nosso nascimento até à morte. Não haveria escolhas, nem mudanças que fossem por nós produzidas. Vida: engodo em grande - e musical - fluxo. Dissonâncias, ressonâncias, harmonias, melodias, tudo em diração a um ponto final -que, em algum momento, acontece. Não como fim, mas como ocaso. Vide jazz. Seríamos marionetes em um teatro sem manipulador. As cordas puxam bonecos que puxam cordas... No final das contas, não haveria sequer a necessidade de pensar os bonecos, pois estes seriam apenas o cruzamento entre as influências das cordas umas nas outras.

Billie Holiday é maravilhosa para estas horas em que você está perdido entre o fim de algo e o início de um outro. Mas, afinal, existe ou não, este momento, estas horas?

Não sei. Não chove mais. Vou escutar Billie Holiday.