quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Sonhos de um coração recauchutado (ao som de "Rags and old iron", by Nina Simone)

Música acessível em:

https://www.youtube.com/results?search_query=rags+and+old+iron+nina+simone


Dia triste e retraído pra um coração recauchutado.
Pensa como foi incauto, ousado, arrojado e destemido.
E agora só há o fado.
Num canto, e só, está retraindo.

Pensa em como amar não é divertido.
Como os corações se acabam, atolados, enredados, divididos...
Em colisões de mundos cindidos:
Vou ou fico? Qual meu fardo?

Ele hesita, lúcido e trágico,
Queria ser mágico,
burlar o destino.

Sozinho, ele chora,
Verifica a hora,
E dorme sozinho.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Cafeína clássica, drinks, aranhas... um monociclo chamado desejo. #somostodosalice (ao som de Bolero de Ravel)

Música acessível em:

https://www.youtube.com/results?search_query=ravel+bolero

Às vezes é necessário não pensar.


Cachaça.

As notas florais desta cachaça tornam esta tarde menos deprimente. O sol acima nos oprime com seu calor, e tenta nos afogar no mormaço por ele produzido. Está quente demais para um café. E minha cabeça já está quente, cansada, estressada, abafada e afobada demais para qualquer dose de cafeína. Necessito de algum prazer... Então temos cachaça.


Cachaça.

Bem, mas como eu havia dito, às vezes é necessário não pensar. Pensar é ótimo, fantástico, prazeroso... se você tem certeza de qual o uso que você fará deste pensamento. Pensar pode ser doloroso também - e às vezes pode ser os dois (prazeroso e doloroso) ao mesmo tempo. O problema está em que as pessoas pensam o pensamento como uma linha reta, quando na verdade são várias linhas sinuosas, jazzísticas, rede irregular de teia de aranha... onde nós somos a mosca.

Quem nunca ficou com uma coisa na cabeça que não gostaria de estar pensando?

Cachaça.

O pensamento é um guia, mas deve-se tomar cuidado para ele não se tornar seu cavaleiro - e te conduzir com antolhos. Não há vacina nem cura pra mentes estreitas, exceto a vida. E por vezes deixamos escapar aquilo que está no canto da vista... bem ali. Mas nosso pensamento está certo de seu objetivo, com métodos, projetos, etapas a cumprir. Catalogando, nomeando, numerando, identificando, seguindo adiante.

Cachaça.


Mas o fato é: todos vocês estão vivos tempo suficiente pra saber que parte da experiência humana resiste à nomeação e numeração. Todos vocês já passaram por experiências não-nomeáveis, e não-quantificáveis. E, ao mesmo tempo, já pensaram e repensaram sobre um assunto, e não chegaram à nenhuma saída. Até porque, sejamos francos... O pensamento último dirá que no final morremos, e qual o ponto de fazer algo, se no final vamos todos morrer?

Cachaça. Sorriso.

Este é o ponto onde descobre-se que o pensamento se locomove, mas se locomove tentando equilibrar-se sobre um monociclo com desejo próprio. Um monociclo chamado desejo. Um monociclo que tenta, o tempo todo, ir para diferentes lugares ao mesmo tempo, com diferentes intensidades para cada lugar. Como quando você está num buffet cheio de coisas gostosas.


Mas daí o pensamento escolhe um lugar específico, mata todo o resto do mundo - e suprime o desejos. Escolhe uma direção, segue, e esquece o resto.

E é aí que está a contradição fundamental do pensamento: ao tomar ciência de sua finitude existencial, ele descobre que na verdade ele tem um tempo pra improvisar, criar coisas, brincar, nesse Mundo Fantástico - e com os seres que nele habitam. Mas ele prefere virar o rosto, e criar objetos imaginários, provisórios e ilusórios para seguir adiante, e viver com uma sensação (falsa) de controle. 

Cachaça.

O movimento do pensamento é boa parte das vezes orientado por um paradigma não-racional, portanto. Esse pensamento não-racional, com desejo de se sentir senhor de si, vai necessitar novos objetivos fictícios, pois o Mundo Fantástico não cessa de lembrar-lhe da pequenez do escravo do pensamento. É necessário criar uma nova ilusão, para manter funcionando uma sensação de controle da própria existência.

Cachaça (quase no fim).

Desidentificando-se com seu próprio pensamento - ou seja, tomando consciência de que você pensa, mas você é mais do que o seu próprio pensamento -, torna-se possível vislumbrar o Mundo Fantástico onde vivemos... e os seres e desejos que nele habitam. E se dar conta de que o Mundo Real é fantasioso. E o País das Maravilhas é real. O mundo é uma multiplicidade de dores, de possíveis, de vida, de dramáticas... o tempo todo te convidando a juntar-se a ele... O que não significa felicidade, ao contrário! Significa dar-se conta de que o mundo é uma aventura, sem objetivos que não fazer de sua vida uma história que valha a pena ser contada e ouvida por outros... Não em livros, mas em rodas de bares, nas bocas de bardos e de atores mambemes... Devir-lenda, devir-conto, devir-história. E habitar o mundo em suas vicissitudes. É divertido. É doloroso. É lindo.

 Se estiver dormindo, e se quiser acordar, acorde.

Último gole de cachaça.