segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Fotos. Fernando Pessoa. (feche a porta e a janela. Quero o som do silêncio)

Basta pensar em sentir
Para sentir em pensar.
Meu coração faz sorrir
Meu coração faz chorar.
Depois de parar de andar,
Depois de ficar e ir,
Hei de ser quem vai chegar
Para ser quem quer partir.

Viver é não conseguir.

(Fernando Pessoa)

Ando perdido. Entre projetos e escritos, conclusões e arcabouços. Entre Gilles Deleuze e Fernando Pessoa. Vinho chileno e gelatina com leite condesado. Eu não sei de meu passado de forma organizada. Na verdade, já não me importa. Antes, admirava aquelas pessoas que seguiam a linha reta da vida. Já não sei o que pretendo. Aliás já não pretendo. Apenas me incomodo. Já não faço planos, estou cansado; meu português está cansado, escasso, e por vez ou outra tenho de voltar e corrigir um tolo erro de ortografia. O Gilles Dizia que era como uma menina passeando pelos campos... isso era uma maneira de ele dizer que era filósofo e, diferente do Félix Guattari, não tinha de preocupar-se com pacientes.

Esta menina me lembrou outra, não lembro se era a Alice ou Dorothy. Acho que era a Alice. Ela não sabia por onde deveria seguir. O gato perguntou (acho que era a Alice mesmo):

-Mas, para onde você quer ir?
Ela respondeu:
-Sei lá, para qualquer lugar.
Ele retrucou (é talvez meu português não esteja tão ruim):
-Então não importa para onde seguir (Vá pra qualquer lugar, ô pentelha!)

Eu estou exausto. Vou descansar um pouco. chega de fazer planos entre a execução de um plano e a execução de outro plano. Bem, depois eu vou andando. Vou por aí... Sem procurar.

Um bom 2008 para as almas que me acompanham (elas existem, falam comigo e deixam recado no orkut, não são alucinações. Mas peço, aqui, que deixem de timidez e se esponham. Comentem).

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

É chique. Simples assim.

Resolvi fazer uma lista de coisas chiques no Rio de Janeiro... reuni as mais escutadas... vamos lá...

É chique ser espiritualizado,
é chique ser politizado,
é chique querer relacionamentos verdadeiros.
É chique, para homens, abraçar homens meio de lado.
É chique saber distinguir ao menos três tipos de música eletrônica. A propósito, ectasy é chique.

Chique é viver na velocidade.
Chique é "ganhar experiência" (em todos os sentidos da expressão).
É chique ser vivido. Fico impressionado com a quantidade de pessoas vividas (acho que os hindus estavam corretos).
Aliás, é chique falar que a vida está corrida. Deve ser por isso que são tão vividos. E acumulam tanta experiência.
É chique querer relacionamentos verdadeiros.
É chique ter fodas casuais.
É chique gostar de maracatu.
É chique gostar de samba.
Ninguém sabe, mas é chique não saber a origem de um ou de outro.
Aliás, é chique gostar daquele samba-com-voz-em-tons-pastéis-pra-zona-sul-na-Lapa.
É chique ter fotolog.
É chique ter orkut.
É chique ser bi.
Me desculpe, mas se você não tem um msn, você é um pária.
É chique ter um pensamento engajado, se você está em trocas sociais.
Com tanta velocidade, maconha é cool.
Mas se você gosta de pensar questões sociais ou políticas, ou mesmo históricas... É chique. Trés chique.
Beijar o rosto é chique.
Nada mais chique que “amiga”. “Amigão, gente boa” pra nós, caras.
É chique criticar a mercantilização do Natal. É chique criticar a mercantilização do mundo, a propósito.
Mas se você usar cores sóbrias, você é um nada. Sorry.
Aaaahhh... Esqueci: é chique ter blogs. E comentá-los.
A moda da customização é demodé.
“O caçador de pipas” é leitura obrigatória. Obrigado, Ana.
Mas lembre, ser chique não é uma questão de cumprir os requisitos... Tipo assim, tem que ter... Um estilo sabe? Não é fazer estas coisas que te deixa chique. Chique, mais importante que tudo isso, é ser descolado, não querer ficar aí, todo triste, pensando nas coisas ruins do mundo. Você vai acabar ficando maluco(a). Para com isso, vai, bebe aí...

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Resposta a Moana que respondeu ao Christian

Solidão, carregada como se fosse o peso do mundo, é a escolha máxima do criador, para dar forma a criatura.
O criador é ingênuo, pensa Fausto, pensa que pode alguma coisa. Mas... Ele é criado ao mesmo tempo que a criatura. Submetido ao Palco.
Sim, Moana, o palco é grande demais, mas a platéia é pequena -ou nula, ou quase nula. No mais, fazem ruído e se entorpecem com cerveja. No mais, escolheram cuidadosamente as roupas que aprenderam que são devidas, e se prostam como ovelhas, não para escutar, mas para serem boas ovelhas ao olhos de todos. Não é à toa que quase todas as religiões conhecem (bem) a música.
De qualquer modo, de Brahma ou de Armani, são ruído. Não são platéia. O artista grita, na esperança de ser escutado. Frente ao ruído, o que resta é gritar, não somente para ser escutado, mas para não sucumbir frente ao ruído que o esmaga. Procurava o spot perfeito, o melhor balaceamento no microfone, foi engolido pelo Palco, o soberano. Pouco a pouco, ele não vive mais a arte. A arte vive nele. E vaga, pelas ruas desertas da metrópole ou da província, a procura de alguém. Destino determinado pelas numerosas ovelhas. Dizia Hegel: a quantidade é uma qualidade negada.
Antes vedete, agora bardo. Não, nada mais importa. Os apalusos são mirrados porque são de poucos outros... artistas. E a ex-vedete segue, criada por sua arte, a procurar, por todo o canto, outras ex-vedetes, para se apresentar... ser aplaudida. E, assim, ter certeza de que ainda está viva.
Aos poucos, se unirão. E, aos poucos, costroem novo palco... E estarão felizes. E, felizes novamente, poderão, enfim, procurar o spot perfeito!
Mas uma delas se incomodará porque todas as outras só querem parecer boas ex-vedetes ao olhar das outras... não são platéia. São apenas ruído.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

O inferno é uma delicatessen (ao som de "Sheep Go to Heaven", by CAKE)

Música acessível em:

http://www.youtube.com/watch?v=e0mx5ERj1eI

O cheiro de Adriana Calcanhoto ainda permeia o ar enquanto eu penso em uma ordem de apresentação. A música francesa relaxa minhas costas, enquanto tento dar os arremates finais. Cansei. Cansei de ficar que nem Brigitte Bardot em "Un jour comme l'autre", tentando entender o que é que se passa. Perdida, tadinha. Quase em choque, sem saber o que fazer, e crendo que ainda vai achar alguma felicidade na vida. Se não fosse Brigitte Bardot, diria "na vida eterna", até. Mas, se no céu há pão e vinho, o inferno é uma delicatessen. E eu quero as minhas iguarias.

Nina. Nem ela tá me ajudado hoje. Como é difícil colocar ordem no caos. E falo isto em relação ao meu texto, porque já larguei aquele pretensioso sonho de fazer do mundo um lugar melhor. Cansei. Vou beber meu vinho, e comer minhas iguarias. Quero escrever, porque me dá prazer, porque gosto. Chega. Desconheço a arte de ser claro pra quem desconhece a arte de ser atento. Quem quiser vir atrás, ou ao lado, ou mesmo à frente, que vá. Eu fico com meu chocolate amargo e meu chá, e vou quando quiser. Se quiser. Aliás, pra quem tem dificuldade com atividades cognitivas, a Nina lá em cima é a Nina Simone.
A esta altura, há quem já esteja achando este texto arrogante. Não, não é arrogante. Só estou cansado de gritar e escrever por verdade enquanto os outros querem gritar e escrever palavras mágicas. Não, não vou escrever, nem dizer, palavras mágicas. Mas também parei de tentar — de sequer pensar — em mudar as coisas. Cansei. Cansei, chega. Eu sei que tem gente boa por aí. Se me chamarem, converso, brinco, ok. Só não me peçam para entrar em cruzada nenhuma, pois o cruzado aqui já andou muito. E não acredita mais em Deus. Cansou. Então, já não tem sentido vagar por aí, gritando para todos se converterem à verdade e largarem as feitiçarias. Deixem-nos com suas palavras mágicas.
Bem, deixe-me voltar ao meu texto, tenho de escrever isto até o final do mês. Se alguém quiser lutar por alguns daqueles supracitados ideais, leia o texto. Talvez ajude em alguma coisa. Decidi só ver, escrever, e falar. Mas falar só quando for pago pra falar. Estas são minhas ações, não me venham com essa de que palavras não são ações, porque ver é uma ação que dá trabalho. Descrever, então... OK? Chega. Estou farto. Chega de sofrer por um mundo melhor, chega de querer pão para todos. Eu quero minhas iguarias.
Nina, play it again. Let's comeback to work.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Restos de um recado para Pi (abra a janela, desta vez quero o som da rua)

A semana começou:
engarrafamentos,
assaltos que a gente vê do ônibus;
quase que a gente perde o ônibus;
fumaça, muita fumaça;
não dá pra cantar, nem pra abrir a janela pra sentir o vento.
Pessoas andando;
pessoas correndo;
discussões via celular;
o casal está andando, ele solta a mão dela enquanto olha uma outra garota andando na rua;
nenhuma das garotas percebe;
mendigos em seu ofício cotidiano;
pago ao trocador, não há troco.
Dois conhecidos se encontram no ônibus;
se cumprimentam efusivamente, conversam,
um não percebe na fala do outro,
mas um deles fez um programa e não quis convidar o outro,
ficou sem graça de comentar o fato,deu um sorriso amarelo, o outro vê o sorriso amarelo,
mas não percebe o que ele significa.
Fecho a janela do ônibus,
para poder respirar o ar viciado mas sem fumaça do ônibus.
Vida!
Viva a segunda-feira!
Viva o fato de nos espantarmos com todas estas coisas!
É um sinal de que ainda estamos lúcidos!

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Cacador de absolutos. Vamos pegar os pombos! (ao som de Stormy Weather, by Billie Holiday)

Música acessível em:
http://www.youtube.com/watch?v=_j4Di2PWwwg&feature=related

Não, você não leu errado. É cacador mesmo, do espanhol, cagador, cagador de absolutos. Ernesto Sabato, poeta de língua espanhola que abandonou a ciência em prol da arte, designava os cientistas por caçadores de absoluto. Obrigado, Pi, pela informação.

Chocolate meio amargo, editor de textos aberto.

Olho para a janela. Chove. Billie Holiday sings "Stormy Weather". Ninguém, nem mesmo Ella Fitzgerald, consegue cantar esta peça como Billie Holiday. Sua voz atinge a janela com as gotas da chuva. Termino o capítulo. Ainda falta outros, eu sei. Mas terminei um capítulo. Minha mente precisa de descanso, agora.

Não, não sou um caçador de absolutos. E discordo do Ernesto Sabato que conheci através de Pi. Cientistas não são caçadores de absolutos -pois, se está perfeito, é qualquer coisa que não ciência, a ciência é algo que está sempre por ser feito. Ela exige a paciência e a esperteza que as crianças têm. Este negócio de senhores circunspectos, sentados em seus ternos, e olhando com um ar severo e erudito, isto não é ciência. A ciência serve para facilitar a compreensão da realidade, não para torná-la indecifrável.

Eu lembro, que, quando era criança, gostava de correr atrás dos pombos. Hoje, às vezes, sento-me no parque para escrever. Vejo crianças, outras crianças, correndo atrás dos pombos. E os pombos -malditos pombos- sempre escapam. Arrogantes pombos, confiantes em sua prodigiosa capacidade de levantar vôo, esperam o último segundo para levantar vôo. Mostram-nos nossa inépcia para caçá-los. Odiosos pombos.

Vejo, também, que as crianças nunca pegam os pombos. Eu mesmo nunca peguei um. Mas elas não desistem. E correm, e correm, e nunca pegam os pombos. Aliás, creio que elas não fazem a menor idéia do que fazer com os pombos, caso venham a pegar um deles. Os pombos sempre fogem. Eles não se importam. Mas as crianças não se importam também. E nunca pegam os pombos, e nunca se cansam de tentar pegá-los. Correm atrás dos pombos sem saber o que fazer com os pombos, e nunca pensam-se fracassadas. Não se importam com não tentar pegá-los. elas querem é simplesmente correr atrás dos pombos.

Não é uma caça. É, antes, uma dança. As crianças dançam com os pombos. E se satisfazem com o chegar próximo aos pombos. Ou melhor, desejam chegar próximo aos pombos. Eles desejam é promover o movimento.

"Veja os pombos, papai! Veja os pombos! Eles voam em todas as direções! Eles voãm em uma só direção!"

E os pais sabem que eles nunca alcançarão os pombos, caso contrário, não deixariam seus filhos perseguirem um animal portador de doenças.

O cientista sabe que nunca alcançará os pombos. Mas ele busca seguir seus rastros, causar movimento. Sempre perseguindo os pombos. É um ofício cansativo, mas prazeroso - como correr atrás dos pombos. É necessário humildade, persistência, fôlego, e fé. Fé de que o esforço vale a pena. É um modo de diferente de lidar com as coisas. Não buscamos certezas. Buscamos conjecturas. Sabemos que tudo o que dissermos estará mais ou menos errado, algum dia.

É um erro pensar que a atividade das crianças pressupõe que elas pensem que um dia poderão alcançar os pombos.

É um erro pensar que a atividade dos cientistas pressupõe que eles pensem que o universo pode ser descrito através de um enunciado.

Eu não caço absolutos. Eu os cago, e cago pra eles, toda manhã, após o desejum.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

O que você pretende fazer de sua vida enquanto ela passa diante de seus olhos? (ao som de "Mr. Bojangles", by Nina Simone)

Música acessível aqui

É sério, parece uma pergunta banal, ou uma pergunta de fim de noite.


Mas é uma pergunta real. O que você faz? O que você faz entre uma página e outra, entre um samba e outro, entre uma e outra contração de bíceps, entre um texto e outro?


Quando você sair para a rua, na próxima vez, repare nas pessoas. Aqueles jovens com roupas populares, com rosto amarelo, sorriso amarelo, realizando pagamento para o patrão.
As mulheres -eu adoro as mulheres, elas são mais criativas que nós- com aqueles fabulosos peitos e coxas, coxas perfeitas, modeladas em série na academia. Gostosas. Coxas que virarão coxas de senhoras frígidas e de maquiagem carregada, aos 65 anos. E também há aquelas senhoras humildes, que trabalharam muito, apesar de dizerem que trabalho é conquista da mulher moderna. Elas, tão idosas, caminham olhando para baixo, como se tivessem de pedir licença para caminhar pelas ruas.
Há também aqueles senhores que vão sempre aos mesmos lugares, pedem as mesmas coisas, falam as mesmas coisas. E falam que os tempos antigos eram os melhores, e ficam horas recordando o tempo passado. Vocês conhecem o tipo. Também há os intelectuais: os de esquerda, os de direita, e os "apolíticos" -só os intelectuais têm o direito de querer não se meter em política sem parecer feio. Não são desinteressados, são apolíticos. Eles falam as mesmas coisas que os primeiros senhores, mas utilizarão tantos termos que você precisará ler muuuito antes de dizer alguma coisa. Penso que a estratégia deles é essa.
O que eles fazem, entre um passatempo e outro? Ou entre um entretenimento e outro -qual é a função do entretenimento que não fazer passar o tempo?
E você, o que você faz, enquanto você joga a sua vida em vícios ou atitudes perigosas -ou ao contrário, enquanto você trabalha duro para chegar lá?
Ah, meu bem, deixa eu te contar um segredo: não há nenhum "lá". E quando você chegar lá, na primeira fila, você vai perceber que você não consegue enxergar o espetáculo direito. E, se olhar direito, você vai perceber que gasta muito tempo se mantendo "lá".
Ahhh... Tudo voa. Uma hora, tudo voa. Tudo acaba. A firma vai a falência, o peito vai à falência, vão descobrir alguém mais talentoso que você, ou mais bonito que você, ou mais jovem, o pau vai à falência. E, não preciso ir muito longe, não: você vai ficar velho, baby. Ou velha; velha mesmo, ladies.
Prestem atenção neste silêncio que há entre um tique e um taque do relógio. Mas não durante muito tempo. Porque é enlouquecedor. É por isso que todos vocês procuram fazer passar as suas vidas, digo, o tempo. Porque eles, vida e tempo, são cheios de buracos com sentido por fazer. Na verdade, a vida é um buraco com sentido por fazer. O resto, o passatempo, o entretenimento, são somente ilusões para você não perceber o passar da vida. Ou melhor, do tempo.
Mas, então, o que você faz? O que você faz entre uma página e outra, entre um samba e outro, entre uma e outra contração de bíceps, entre um texto e outro?
Não responda.
Pense. E faça, o que quer que seja, de sua vida, mas faça sua vida uma vida bela. E não somente um passatempo... Ou entretenimento.

domingo, 2 de setembro de 2007

Acerca da questão de Espinoza "O que pode um corpo?" (ao som de "St. Germain", by Paris Combo)

Música acessível em:
http://www.youtube.com/watch?v=9lKEqWS5108

Toque, toque, toque, toque;
quase palavras, quase mágicas, as vidas esbarram-se, encontram-se, soltam-se;
toque, toque, toque, toque.
O céu nublado esconde a esperança de ver estrelas
porque ninguém olha para o céu noturno, quando está nublado.
Eu olho.
E gosto.
E acho graça no céu nublado,
como imensas bolas de algodão com carbono.
Eu gosto do noturno céu nublado, e de sua cor carbono.
Este céu, abono.
Ando, ando, ando, ando
- ou, então, fico parado -
quase palavras, quase mágicas, as vidas esbarram-se, encontram-se, soltam-se;
ando, ando, ando, ando
- ou, então, fico parado.
Toque, toque, toque, toque;
quase palavras, quase mágicas, as vidas esbarram-se, encontram-se, soltam-se;
toque, toque, toque, toque.
O céu nublado esconde a esperança de ver estrelas
porque ninguém olha para o céu noturno, quando está nublado.
Eu olho.
E gosto.
E acho graça no céu nublado,
como imensas bolas de algodão com carbono.
Eu gosto do noturno céu nublado, e de sua cor carbono.
Este céu, abono.
Ando, ando, ando, ando
- ou, então, fico parado -
quase palavras, quase mágicas, as vidas esbarram-se, encontram-se, soltam-se;
ando, ando, ando, ando
- ou, então, fico parado.
Ando, ando, ando, ando
- ou, então, fico parado.
Ando, ando, ando, ando
- ou, então, fico parado.
Toque, toque, toque, toque, toque, toque, toque, toque...

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Enxuga as lágrimas, esboça um sorriso. E segue. (ao som de "Chan Chan", by Buena Vista Social Club)

Música acessível em:
http://www.youtube.com/watch?v=UhHWhRTkVBE
Enxuga as lágrimas, esboça um sorriso.
E segue.
Sobe a ladeira, desce a ladeira, vira à direita.
Pensa: Será que os processos de desterritorialização-reterritorialização pertinentes ao modo de subjetivação capitalístico encontram ressonâncias com o pensamento de gênero literário de Bakhtin, quando conjugado com o conceito de atividade de Leontiév?
Segue.
Faz sinal para ônibus. Avisa que pagará com dinheiro. Passa pela roleta. Dirige-se a um dos bancos. Senta. Abre a bolsa e pega o dinheiro. Deixa a bolsa, dirige-se ao trocador. Paga. Volta para o banco, senta. O sinal abre.

Segue.
Pensa em um, dois, três amores. Cantoras, psicólogas frígidas, filósofas, psicólogas deambulantes. Lembra que só quem trabalhou com Saúde Mental fala “deambulantes”. Olha para o vendedor de paçoca, do lado de fora do ônibus.
Segue.
Pensa na qualidade da maior parte dos trabalhos de ciência. Pensa na maior parte dos trabalhos de ciência do Brasil. Pensa na maior parte dos trabalhos de Psicologia feitos no Brasil. Pensa que é muuito difícil mudar isso. Pensa em como a arte produz bem neste país. Pensa sobre os motivos de ter abandonado a música em favor da psicologia. Lembra-se dos seus escritos. Suspira.
Segue.
Olha a ponte. Olha a Baía de Guanabara. Pensa na poluição da Baía de Guanabara. Vê o peixe pulando na água. Sorri. Olha para frente. Olha para a janela, novamente. Pensa como fica a cidade sob esta chuva rala. Olha em direção ao Cristo Redentor eclipsado sob as nuvens. Pensa como fica bonita a cidade sob esta chuva rala, vista da ponte. Pensa na Praça da Bandeira. Lembra-se da bandeira rasgada. Lembra-se de vidas rasgadas, próximas à Praça da Bandeira. Recorda o que acontece com a Praça da bandeira, quando chove razoavelmente na Praça da Bandeira. Recorda que terá de passar pela Praça da Bandeira ao retornar.
Segue.
Encosta a cabeça no vidro da janela do ônibus. Adormece. Acorda. Levanta. Pega a bolsa. Caminha em direção à porta da frente do ônibus. Deseja bom dia ao motorista. Desce do ônibus. Vira à esquerda.

E segue.

domingo, 26 de agosto de 2007

Vai tomar no cú, garotinho branco

O garotinho branco, porque você fica implicando tanto comigo? Não, seu pseudo-intelectual de meia-tijela, eu não escuto jazz pra parecer crioulo intelectual não, e crioulo é a puta que o pariu. Vai tomar no cú. Você não tem a menor idéia do que é ouvir a Nina Simone cantando "Here comes the sun", depois de cantar "Mississipi Goddam", cansada como uma garotinha que sofre abuso sexual do Tio John toda a sexta, mas tem esperança de que um dia isso passe. Você não sabe o que é ouvir Billie Holiday com aquela voz melancólica, cantando "Summertime" lembrando da infância de merda que ela teve, e lembrando que tem uma carreirinha pra ela lá no camarim, após o show. Vai tomar no cú, cara, fica com essa palhaçada aí de ficar escutando a música que dizem no momento que é engajada politicamente só pra dizer que é intelectual engajado. Você não sabe o que é jazz porque vc não sabe ouvir a brincadeira, o diálogo que está ali. Você não sabe brincar, trocar. Quer ser a estrelinha branca do espetáculo.
Vai tomar no cú, garotinho branco, que fica aí falando do sofrimento do pobre e que eu devia pesquisar pobres e questões ligadas à "minha raça". Que fica falando do pobre-sofredor, pobre-batalhador, pobre-alienado. Você nunca entrou na roda de samba, cara, nunca forçou a panturrilha pra subir o morro. Você nunca sentiu ácido de enxofre entrando pela sua garganta na forma de gás, secando e corroendo, você sentindo aquele cheiro de ovo podre, que te alerta que você tem alguns segundos pra descobrir onde está o vazamento -porque este gás anestesia rapidamente o nervo olfativo-, consertá-lo, e fugir. Ou morrer. E isso sob um calor de mais de 10ºC acima do que está lá fora. Você nem sabe que este gás anestesia o olfato. Você nem sabe como é difícil tirar a sujeira de graxa debaixo da unha. É fácil ficar brincando de intelectual e depois voltar pra casa, lá no Leblon, no carrinho que papai te deu. É muito fácil, porque a escurinha que trabalha na sua casa de família já preparou teu jantar, você vai poder dormir no teu ar condiconado, escutando teu sonzinho, né filha da puta?
Vai tomar no cú, garotinho, branco. Aliás, não vai tomar no cú não, porque tem gente que gosta. Vai carregar balde d'água lá no morro. Vai dormir na rua pra poupar passagem de ida-volta lá pra baixada. Vai entrar num shopping da zona sul com a pele bem pretinha, com essa roupa aqui pra ver se alguém te atende. E se alguém não te vigia. Vai tentar caprichar na ortografia e na caligrafia na porra da redação da seleção, porque você precisa pra caramba daquele dinheiro, e tu contou o da passagem de ida e volta. E que na volta você vai até andar mais porque aí você pode suar. Vai, cara, só uma vez, segurar o soro que tua mãe velha tá tomando, sentada na cadeira, no hospital, dando graças à Deus por ter conseguido atendimento.
Vai, cara, e num é só um dia, ou um mês, não. Experimenta fazer isso durante mais de um ano, a vida inteira, e ainda ter de acordar cedo com 60 anos pra limpar empresa lá no centro, ganhando uma merreca e tendo um caralhão de coisa pra limpar, as pessoas passando como se você tivesse de desviar pra elas poderem passar, sem te dar um bom-dia. Vai, filha da puta. Se você conseguir, e isso tudo comendo arroz, feijão, farinha, ovo -quando muito aquela carne batida, marmita com pescoço de galinha-, ah, se você conseguir, aí sim vou te dar o direito de me chamar de alienado, sofredor, batalhador ou o raio que o parta. Enquanto isso, cala a boca, filha da puta, seu merda, e me deixa em paz.
Você não entende de pretos, nem de pobres. E nem de mulheres, nem de gays, nem de camponeses. Você nem entende de você, seu merda. Senão, você não estaria prestando tanta atenção em mim e se lembraria que tu é um latino-americano, filha da puta. E que, se tu tivesse dinheiro mesmo, tu tava beeem longe daqui. Num é? Volta então praquela europazinha de merda que vc cria no seu ar-condicionado e nos deixa em paz.

Luz amarela

A luz amarela. Eu vejo. É ela, escondida pela fresta da janela. As cortinas em tom cru, deixando transparecer ou um tom cru ou um descaso pela cor. Cortinas e tom cru. Como queijo com goiabada. Janela que eu vejo daqui, desta praia quase deserta. O mar brinca, agitado de revolver e moldar a poeira clara. Em tom cru. Bela, iluminada pela luz amarela dos postes que lhe servem de adorno. O sinal grita: alerta! Luz amarela. Os pedrestes ensaiam atravessar, e assim o fazem em seguida. E o carro, então, pede passagem. Pisca-alerta. Passa, pedindo passagem com a singela luz amarela.



Neste texto, eu tive a intenção de transformar essas luzes amarelas, por nós tão ignoradas, em linguagem. Espero que o texto tenha causado a impressão de não haver nada importante, e de que ainda havia algo a ser dito. Assim como nós ignoramos as luzes amarelas.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O tempo e o Sol

Madeleine Peyroux e o tempo e o Sol. Madeleine Peyroux e o tempo e o Sol. Quantos são os compassos necessários para se mudar uma vida? E, quando se muda, para onde se vai? Madeleine Peyroux e o Sol. Madeleine Peyroux e o Sol. Qual o seu ritmo, Pi, como fazes para viver a vida? Tocas pandeiro, tocas violão? Sim, tocas violão. E quando nem ele toca, Pi? E algo te toca, e tu não sabes o que é? Te escondes? E, como te escondes, Pi? Tu foges? E foges pra onde, Pi? E, se algo te toca, você então faz samba?! Que bossa!!! Qual é o segredo, Pi, de tu achares o certo compasso, a certa melodia, o certo contraponto, o certo contracanto, qual é o segredo? Madeleine Peyroux e o tempo. Madeleine Peyroux e o tempo. Qual é o segredo de habitar a música, música que é por natureza noturna, porque só o noturno consegue passar sem deixar marcas de poder. Ele convida a ficar, e a passar com ele. Por onde passo, como passo, para onde passo, Pi? Qual é o segredo de manter o passo, mas sem perder o compasso, sem fazer virar marcha? Pi samba, Pi toca, Pi, que por definição é indefinível, e os caçadores de absoluto apontam que é inexata.
Para onde se caminha? Não, não é esta a questão. Mas, sim, como se caminha. Como se caminha, Pi?
O tempo e o Sol. O tempo e o Sol. O tempo. E o Sol

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Um chocolate quente, por favor (ao som de "Between the bars", by Madeleine Peyroux)

Música acessível em:





São 22 horas deste domingo. Estou sentado aqui na padaria, bebendo chocolate quente. Sim, sou uma daquelas monótonas criaturas que vão sempre aos mesmos lugares e pedem sempre as mesmas coisas.
"Um chocolate quente, por favor. Forte. E extremamente quente."
Estamos aqui, eu, a caneta e o envelope de carta. Os dois últimos, inanimadas testemunhas de minha solidão. Olho para o hipotético Rogério que estaria sentado ao meu lado, pergunto: "Onde vai reterritorializar-se tudo isso?"
Desculpem esta mensagem um pouco autobiográfica, mas estou aqui, perdido entre o chocolate quente e o caos. Olho para as animadas pessoas que conversam futilidades ao meu redor. Olho para o belo par de olhos também solitário que perscruta um livro e os outros. Pergunto em pensamento:"será que você aguenta o tranco?"
Os jovens burgueses desta cidade burguesa, esculpidos para parecerem jovens anti-moda, esculpidos à moda anti-moda.
E eu aqui, do alto de minha arrogância. Pelo menos, esta arrogância é melhor que o caos. Fudeu, percebi o porquê da arrogância, agora tudo voou como um castelo de cartas. Estou de novo entre o caos e o chocolate. E -puta que pariu- o chocolate acabou. Pago o chocolate, e sigo em direção à rua e ao caos.

domingo, 5 de agosto de 2007

Primeiro movimento

tudo se deteriora. tudo se esvai. somos apenas máquinas de rastros, rastros que serão rastreados somente por aqueles que souberem rastrear. mas como saberão que sabem rastrear? no final das contas, rastros são apenas vestígios. somos a virtualidade de vestígios. virtualidades da produção de sentido. não sei mais pra onde vou, nem quem sou, nem se sou. nem sei se ligo.