sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Cacador de absolutos. Vamos pegar os pombos! (ao som de Stormy Weather, by Billie Holiday)

Música acessível em:
http://www.youtube.com/watch?v=_j4Di2PWwwg&feature=related

Não, você não leu errado. É cacador mesmo, do espanhol, cagador, cagador de absolutos. Ernesto Sabato, poeta de língua espanhola que abandonou a ciência em prol da arte, designava os cientistas por caçadores de absoluto. Obrigado, Pi, pela informação.

Chocolate meio amargo, editor de textos aberto.

Olho para a janela. Chove. Billie Holiday sings "Stormy Weather". Ninguém, nem mesmo Ella Fitzgerald, consegue cantar esta peça como Billie Holiday. Sua voz atinge a janela com as gotas da chuva. Termino o capítulo. Ainda falta outros, eu sei. Mas terminei um capítulo. Minha mente precisa de descanso, agora.

Não, não sou um caçador de absolutos. E discordo do Ernesto Sabato que conheci através de Pi. Cientistas não são caçadores de absolutos -pois, se está perfeito, é qualquer coisa que não ciência, a ciência é algo que está sempre por ser feito. Ela exige a paciência e a esperteza que as crianças têm. Este negócio de senhores circunspectos, sentados em seus ternos, e olhando com um ar severo e erudito, isto não é ciência. A ciência serve para facilitar a compreensão da realidade, não para torná-la indecifrável.

Eu lembro, que, quando era criança, gostava de correr atrás dos pombos. Hoje, às vezes, sento-me no parque para escrever. Vejo crianças, outras crianças, correndo atrás dos pombos. E os pombos -malditos pombos- sempre escapam. Arrogantes pombos, confiantes em sua prodigiosa capacidade de levantar vôo, esperam o último segundo para levantar vôo. Mostram-nos nossa inépcia para caçá-los. Odiosos pombos.

Vejo, também, que as crianças nunca pegam os pombos. Eu mesmo nunca peguei um. Mas elas não desistem. E correm, e correm, e nunca pegam os pombos. Aliás, creio que elas não fazem a menor idéia do que fazer com os pombos, caso venham a pegar um deles. Os pombos sempre fogem. Eles não se importam. Mas as crianças não se importam também. E nunca pegam os pombos, e nunca se cansam de tentar pegá-los. Correm atrás dos pombos sem saber o que fazer com os pombos, e nunca pensam-se fracassadas. Não se importam com não tentar pegá-los. elas querem é simplesmente correr atrás dos pombos.

Não é uma caça. É, antes, uma dança. As crianças dançam com os pombos. E se satisfazem com o chegar próximo aos pombos. Ou melhor, desejam chegar próximo aos pombos. Eles desejam é promover o movimento.

"Veja os pombos, papai! Veja os pombos! Eles voam em todas as direções! Eles voãm em uma só direção!"

E os pais sabem que eles nunca alcançarão os pombos, caso contrário, não deixariam seus filhos perseguirem um animal portador de doenças.

O cientista sabe que nunca alcançará os pombos. Mas ele busca seguir seus rastros, causar movimento. Sempre perseguindo os pombos. É um ofício cansativo, mas prazeroso - como correr atrás dos pombos. É necessário humildade, persistência, fôlego, e fé. Fé de que o esforço vale a pena. É um modo de diferente de lidar com as coisas. Não buscamos certezas. Buscamos conjecturas. Sabemos que tudo o que dissermos estará mais ou menos errado, algum dia.

É um erro pensar que a atividade das crianças pressupõe que elas pensem que um dia poderão alcançar os pombos.

É um erro pensar que a atividade dos cientistas pressupõe que eles pensem que o universo pode ser descrito através de um enunciado.

Eu não caço absolutos. Eu os cago, e cago pra eles, toda manhã, após o desejum.

1 comentário:

Nena disse...

olá! mestre folião cagador...
a arte da vida são os encontros disso eu não tenho dúvidas...
e, hj, sinto que para encontrar, putz, para encontrar é preciso estar correndo atrás dos pombos...
este seu texto me emociona...
vc me faz pensar
me ajuda a estar correndo atrás dos pombos
me convida a... ampliar e ser humilde, saboreando...
isto para mim é muito importante
as veze sdramático, porém mt valioso
bjsss