domingo, 26 de agosto de 2007

Vai tomar no cú, garotinho branco

O garotinho branco, porque você fica implicando tanto comigo? Não, seu pseudo-intelectual de meia-tijela, eu não escuto jazz pra parecer crioulo intelectual não, e crioulo é a puta que o pariu. Vai tomar no cú. Você não tem a menor idéia do que é ouvir a Nina Simone cantando "Here comes the sun", depois de cantar "Mississipi Goddam", cansada como uma garotinha que sofre abuso sexual do Tio John toda a sexta, mas tem esperança de que um dia isso passe. Você não sabe o que é ouvir Billie Holiday com aquela voz melancólica, cantando "Summertime" lembrando da infância de merda que ela teve, e lembrando que tem uma carreirinha pra ela lá no camarim, após o show. Vai tomar no cú, cara, fica com essa palhaçada aí de ficar escutando a música que dizem no momento que é engajada politicamente só pra dizer que é intelectual engajado. Você não sabe o que é jazz porque vc não sabe ouvir a brincadeira, o diálogo que está ali. Você não sabe brincar, trocar. Quer ser a estrelinha branca do espetáculo.
Vai tomar no cú, garotinho branco, que fica aí falando do sofrimento do pobre e que eu devia pesquisar pobres e questões ligadas à "minha raça". Que fica falando do pobre-sofredor, pobre-batalhador, pobre-alienado. Você nunca entrou na roda de samba, cara, nunca forçou a panturrilha pra subir o morro. Você nunca sentiu ácido de enxofre entrando pela sua garganta na forma de gás, secando e corroendo, você sentindo aquele cheiro de ovo podre, que te alerta que você tem alguns segundos pra descobrir onde está o vazamento -porque este gás anestesia rapidamente o nervo olfativo-, consertá-lo, e fugir. Ou morrer. E isso sob um calor de mais de 10ºC acima do que está lá fora. Você nem sabe que este gás anestesia o olfato. Você nem sabe como é difícil tirar a sujeira de graxa debaixo da unha. É fácil ficar brincando de intelectual e depois voltar pra casa, lá no Leblon, no carrinho que papai te deu. É muito fácil, porque a escurinha que trabalha na sua casa de família já preparou teu jantar, você vai poder dormir no teu ar condiconado, escutando teu sonzinho, né filha da puta?
Vai tomar no cú, garotinho, branco. Aliás, não vai tomar no cú não, porque tem gente que gosta. Vai carregar balde d'água lá no morro. Vai dormir na rua pra poupar passagem de ida-volta lá pra baixada. Vai entrar num shopping da zona sul com a pele bem pretinha, com essa roupa aqui pra ver se alguém te atende. E se alguém não te vigia. Vai tentar caprichar na ortografia e na caligrafia na porra da redação da seleção, porque você precisa pra caramba daquele dinheiro, e tu contou o da passagem de ida e volta. E que na volta você vai até andar mais porque aí você pode suar. Vai, cara, só uma vez, segurar o soro que tua mãe velha tá tomando, sentada na cadeira, no hospital, dando graças à Deus por ter conseguido atendimento.
Vai, cara, e num é só um dia, ou um mês, não. Experimenta fazer isso durante mais de um ano, a vida inteira, e ainda ter de acordar cedo com 60 anos pra limpar empresa lá no centro, ganhando uma merreca e tendo um caralhão de coisa pra limpar, as pessoas passando como se você tivesse de desviar pra elas poderem passar, sem te dar um bom-dia. Vai, filha da puta. Se você conseguir, e isso tudo comendo arroz, feijão, farinha, ovo -quando muito aquela carne batida, marmita com pescoço de galinha-, ah, se você conseguir, aí sim vou te dar o direito de me chamar de alienado, sofredor, batalhador ou o raio que o parta. Enquanto isso, cala a boca, filha da puta, seu merda, e me deixa em paz.
Você não entende de pretos, nem de pobres. E nem de mulheres, nem de gays, nem de camponeses. Você nem entende de você, seu merda. Senão, você não estaria prestando tanta atenção em mim e se lembraria que tu é um latino-americano, filha da puta. E que, se tu tivesse dinheiro mesmo, tu tava beeem longe daqui. Num é? Volta então praquela europazinha de merda que vc cria no seu ar-condicionado e nos deixa em paz.